quinta-feira, 30 de setembro de 2010

PARA A AZIZA



A Aziza é uma leitora deste blog. Tentei mandar uma mensagem para ela, por e-mail, mas não foi possível, tendo em vista que ela não postou nenhum endereço, e não tem perfil no blogger.
Mas o comentário dela está postado na mensagem aí de baixo, e quem quiser saber é só clicar em “comentários” e lê-lo, para saber dos fatos a que pretendo me reportar.


Prezada Aziza,


Sabe, quando fazia os meus preparatórios para o Caminho de Santiago, participei de uma caminhada de quatro dias, a “Caminhada da Paz”, que acontece todos os anos, aqui em meu Estado, na região de minha cidade.


Nesta caminhada, senti umas dores estranhas nas costas, como se eu tivesse cãimbras, e passei meio aperreada por causa disto. Todo o dia, à noite, eu ficava quase sem conseguir respirar. Qualquer movimento desencadeava a tal sensação de cãimbra no meio das costas.


Em janeiro, resolvi procurar um ortopedista. Após os exames, ele me informou o número de meus bicos de papagaio (uns quatro, eu acho). E me desaconselhou a caminhada – “teu caminho será só de dor”.


Mas eu nunca fui muito de me me mixar para estes diagnósticos. E fui correr atrás de mais informações, e fui a outro médico, assim como conversei com meu preparador físico da academia. Para o outro médico, a causa de minhas dores não eram os bicos de papagaio, mas sim a minha obstinação em não fazer exercícios abdominais. E passei a fazê-los, uma série de 300, tres vezes por semana, assim como continuei com as caminhadas preparatórias, sentindo que aqueles desconfortos haviam sumido. Por outro lado, este segundo ortopedista me disse uma frase importante: a dor é um sentimento que muda de intensidade conforme quem a sente. Ou seja, é subjetiva. Assim como muda de intensidade de acordo com os nossos anseios, com as nossas motivações.


O professor de educação física que me ajudou em meus treinamentos veio a me sugerir uma leitura, a respeito de um ciclista – LANCE ARMSTRONG – um americano que, campeão de ciclismo na década de 1990, foi diagnosticado com três tumores cancerígenos. Fui a trás da história de Armstrong, no livro “a Luta de Lance Armstrong” - e o que li me jogou para a frente.


Querida Aziza, não quero dizer que todos nós devemos ser heróis como Armstrong. Ele foi criado para ser um esportista, estava bastante acostumado com as dores, tanto que, quando sentiu os primeiros sintomas de sua doença, não deu importância, achando que eram normais.


Também não vou discutir aqui a capacidade e o conhecimento do teu médico. Mas quero dizer sim, e se possível gritar: A FORÇA ESTÁ DENTRO DE NÓS. Se tens vontade de fazer o Caminho de Santiago, coloque esta vontade na frente de todas as outras e vá. Treine-se. Vale a pena. Faça como puder. Um póuco a pé, outro pouco embarcada (de autobus ou de táxi), mas vá. Aproveite, curta, faça amigos, veja as flores do caminho, as cores, e verá que nem se lembrará de seus problemas de saúde. Caso eles apareçam, dê um tempo a eles, cuide deles, e depois prossiga.


Um grande beijo e obrigada pelas palavras amáveis neste blog.


Foto: Flores do muro de uma residência erm Óbanos - Navarra - Espanha


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

E AGORA?


As narrativas terminaram. Não sei o que escrever agora. Não tenho muito mais para falar sobre o Caminho de Santiago. Não sei nem dizer quando vou novamente.

Por dentro, a sensação desta viagem ainda dói muito. Não consigo, ainda, entender o porquê de tudo ter sido como foi. Ainda ontem, comentei com meu namorado que melhor mesmo foi a minha preparação para o Caminho. Foi intensa, emocionante. Vivi cada passo e cada gota de suor brotado no esforço de caminhar nesta preparação. Foi tão bom que não acredito que outra preparação seja melhor. Na verdade, não tenho vontade de me preparar para ir outra vez.

Quando cheguei, pensava em voltar no ano que vem. Hoje, já não sei se é isto que quero. É como se eu estivesse esgotada deste assunto, deste tema.

Por outro lado, o meu ser estava acostumado a tudo isto, ou seja, a ter um tema, a ter um sonho, e deixar de lado o sonho que me acompanhou por dois anos é complicado também.

Então, resolvi viver as coisas uma de cada vez. Meu maior objetivo, hoje, é tirar o gesso. O gesso no braço, para mim, ainda é um triste medalhão, "recuerdo" de um objetivo frustrado. Como se não bastasse o fracasso por si só, mas também a lembrança dele por longos 40 dias de repouso que eu não queria, de privações e dependências que eu não busquei. Afinal, eu passei dois anos buscando uma longa caminhada de 800 e poucos quilômetros...

E volta sempre a pergunta : por quê?

Se alguém tiver uma resposta que não envolva DEUS, a vontade de Deus, que me escreva nos comentários. Porque Deus eu acho que não foi. Deus cuidou de mim para que nada de mais grave me acontecesse.

Hoje, meu netinho, Davi, está fazendo dois anos de vida. Encontro aqui um bom motivo para estar de volta antecipadamente - poder abraçá-lo, e dizer "obrigada Deus, por teres me concedido a graça de ser avó deste anjo...".



Foto: Davi, meu neto.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

AS MENSAGENS DE APOIO


Dois dias após eu ter quebrado o braço, comecei minha volta ao Brasil. Aqui, as "fichas começaram a cair", ou seja, muito embora eu tenha ficado em situação de segurança, junto aos meus filhos e ao meu namorado, também começou a bater aqueles pensamentos de frustração, de impotência que penso serem até normais. Na verdade, até hoje, para mim, o braço não me castigou. O que me castigou foi ter que desistir de caminhar.

Como faço parte de uma comunidade no orkut - "Caminho de Santiago" - e do grupo "Santiago" da AACSC, recebi muitas mensagens de apoio e de carinho de antigos e futuros peregrinos que liam este blog, e se apiedavam de mim.

Agradeço a todos. Foi de muita valia todas as palavras que recebi, inclusive aquela em que uma peregrina, estando no Caminho, mandava todos os dias uma mensagem do tipo "oi querida, estou hoje em tal lugar, visitei tal igreja, e ela é linda!!!! E teu braço, como está????" Esta mensagem me deixava triste. Cheguei a pensar que fosse por maldade... Me ofendia, me humilhava. Mas talvez fosse o jeito desta pessoa mostrar seu carinho por mim, tentando me passar sua empolgação pelas belezas que via no Caminho.

Uma das mensagens que recebi foi de uma pessoa de nome Lucila, e foi esta mensagem que me levantou a moral. Pedi licença a ela para transcrevê-la aqui, e ela autorizou, na esperança de que possa servir para outros peregrinos:


Cara Izabel,

Quando li o seu relato sobre o acidente, relsolvi contar o que me aconteceu.Eu vivo em Porto Alegre, iniciei o meu Caminho junto com a minha irmã em 22 de agosto de 2009,era o grande sonho da minha vida,desde que fiquei viúva em 2004, aos 50 anos de idade.Saimos de Roncesvalles, e caminhamos até Larrasoaña; lá chegando fomos para a Pensión el Camino, pois o albergue ja estava lotado,eu não estava me sentindo muito bem,tinha uma dor muito forte no meu pescoço,achei que era do peso da mochila, as dormimos bem e no outro dia seguimos para Pamplona.Quase que eu não consigo chegar de tanta dor que eu sentia; fui direto para uma Pension. Eu sentia tanta dor que não conseguia nem me alimentar,tomei remedio que aliviou um pouco e consegui dormir,no outro dia, quando acordei vi que o meu pescoço estava muito inchado. Como o meu voo de volta era por Paris,eu iria visitar amigos que vivem lá,fui para la no outro dia, e fui a um medico indicado pelos meus amigos,me pediram uma tomografia e foi revelado que eu tinha um tumor no pescoço e em varios outros lugares do meu corpo, no total eram 5.Voltei para o Brasil uma semana depois de ter iniciado o Caminho e fui direto para o hospital,depois de 3 dias de exames e de uma cirurgia foi diagnosticado que eu tinha linfoma.Iniciei a quimioterapia uma semana depois,fiz 8 seções, perdi todo o cabelo e toda a energia, a ultima foi dia 8 de março e eu estou curada, preciso fazer exames pelos proximos 5 anos para saber se o linfoma não vai voltar,mas tenho absoluta certeza que não.Já estou planejando a minha volta para maio do ano que vem, o meu medico é o meu maior incentivador.Tudo isso que aconteceu foi um aviso,se eu não tivesse feito o Caminho talvez o meu câncer levasse mais tempo para se manifestar e a cura poderia não ser tão certa.Então tenha certeza que o teu acidente foi para que a continuação seja feita com muito mais fé e amor,a minha tambem será com certeza.Um grande abraço.

Lucila
Foto:a simplicidade do interior da Ermita de Nossa Sª de Eunate

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

MEDOS, DESCONFIANÇAS, EXCESSOS DE BAGAGEM


À medida que minha viagem para a Espanha se aproximava, as pessoas sempre me perguntavam com quem eu iria. Respondia que iria sozinha, até começar o Caminho, mas que, com certeza, não caminharia sozinha.

Esta certeza, conforme podem constatar pelos meus relatos, voltou comigo, e posso assegurar àquelas pessoas que intencionam ir ao Caminho sem compahia que nunca deixem de fazê-lo por terem que ir só. É só sair, e chegar só. Lá, nunca mais você poderá dizer que ficou só, que não foi acudido, que te deixaram sem assistência em qualquer situação. O espírito peregrino, uma vez que você esteja no Caminho de Santiago, fará de você um irmão. Relacionar-se com as pessoas ou não dependerá de você. De minha parte, posso afirmar que nunca me faltaram companhias, quer para caminhar, quer para conversar.

Hoje, depois de ter vivido esta experiência, este caminho um pouco diferente, tenho outras idéias a respeito de algumas particularidades sobre a preparação. Acreditava piamente que não me sentiria bem dormindo em albergues. O albergue de Roncesvalles significava para mim um colégio interno horroroso e escuro, onde eu teria que dormir uma noite, a pior noite, depois de ter enfrentado os Pirineus. Asseguro que nunca dormi tão bem, sentindo-me segura, como na Colegiata, em Roncesvalles. Nem os roncos tão difundidos foram tão excessivos como eu pensei que o seriam. Jamais eu pensaria em não ficar nos albergues, caso eu vá novamente.

Existem muitas opiniões dentro da internet de como se deve fazer o Caminho, o que se deve levar, qual o melhor calçado, etc., e estes meus relatos não deixam de ser mais uma delas (hehehe). Existem opiniões muito líricas, muito na base do Mago/Cavaleiro Templário, de que o peregrino que é peregrino não pode se vestir de forma diferente dos padrões “indiana jones”, não pode usar a internet enquanto estiver no Caminho, não deve levar um celular, porque estará pecando contra a ordem imaginária que reza dentro dessas cabeças. Afinal, foram para lá buscar uma espada...

Minha modesta experiência mostrou o contrário. Internet e celular são espadas importantes de um cavaleiro/peregrino usar e/ou levar. Principalmente quando se vai só. Um aparelho de telefone móvil habilitado na Espanha custa 9 euros. E te dá condições de fazer ligações locais e internacionais baratíssimas. Com todas as ligações locais e internacionais que precisei fazer, gastei apenas 30 euros.

Muitas outras coisas que levei eu jamais levaria. Acho que até as roupas eu não levaria tantas (levei três mudas).

Penso que fiz quase tudo certo. Eu treinei tudo certo, não senti nenhuma dor, não tive nehuma bolha, em quatro dias de caminhada. E acredito que pequei por excesso de confiança. Estava muito confiante, tão confiante que desprezei a tal escada de madeira como perigo. Então, talvez minha mochila estivesse carregada com muita auto confiança. Na próxima, é preciso esvaziar um pouco, e ficar mais atenta.




terça-feira, 21 de setembro de 2010

A AJUDA DE JUAN





Quando saí do locutório da família nigeriana, percebi que os dedos de minha mão esquerda estavam roxos e super inchados.
Lembrei que o médico recomendara que eu ficasse de repouso, e que mantivesse a mão para cima, procurando movimentar os dedos.

"Merda", pensei, "como faço isto, se tenho que correr atrás de minha volta ao Brasil?"

Voltei correndo ao hotel, e me deitei. Comi aquelas comidas da caminhada - frutas secas, chocolate, e frutas secas e chocolate - regados a muita água torneral do próprio hotel... e passei a fazer as especificações do meu algoz - o ortopedista espanhol - que estava, para meu maior desconforto, certíssimo. Eu não poderia ter continuado mesmo a caminhar com o pulso quebrado... A mão inchada, os dedos roxos que nem chourizo (linguiça, para os espanhóis), e o pulso, por cima de tudo, "ainda pulsa"...
Acho que andei dormindo, e quando acordei, por volta das 16, olhei a mão, e nada mudara, ou se mudara era para um quadro que eu não queria ter visto. Tentei mover os dedos. Nada. Incharam que não se moviam mais. Percebi que formigavam, e que eu não tinha muita sensibilidade. Pensei: tenho que voltar no hospital para ver aquele médico... merda, merda, merda...

Foi nesta hora que lembrei de Juan. E liguei para ele. Prontamente, ele mandou um colega me buscar no hotel, e voltei ao hospital, onde o algoz me recebeu com um sorrisinho de vitória (eu, pelo menos, interpretei assim...). Ele cortou o gesso, de uma ponta a outra, deixando uma vala, de meio centímetro, para dar vazão àquele atual inchume, e mandou novamente que eu me "quedasse imóvel", com a mão para cima, e movendo os dedos...

Dalí para a frente, não precisei mais me preocupar em ligar para Juan. Ele me chamava a cada duas horas, para saber como eu estava, se queria ir a algum lugar, me indicava onde comer, me levou ao aeroporto para buscar minha nova passagem, enfim. Esteve atento em todo o tempo que ainda fiquei em Pamplona. Quando nos despedimos, no aeroporto de Pamplona, ele me disse: "Isabel, se eu sentisse que tu não estavas bem sozinha, eu já havia combinado com minha mulher e com minha avó que vive comigo: eu iria te levar para minha casa. "

Entendo que um homem com toda esta sensibilidade e dedicação deva ser mencionado, e que seja divulgado o seu trabalho.
Juan, mais uma vez, muito obrigada por teu carinho.

Fotos: Detalhes da entrada medieval de Pamplona. A muralha que cercava a cidade antiga.

O TAXISTA JUAN




Não poderia encerrar estas narrativas sem falar em Juan.

Quem me indicou o Juan foi o Hector, aquele taxista uruguaio que vive em Pamplona, e que, segundo afirmam os peregrinos mais antigos, tem muito carinho com os brasileiros.

Assim que, eu, quando fui para fazer o Caminho, já havia entrado em contato com o Hector, que passou meu e-mail para o Juan, o qual ficou de me esperar na estação de trens de Pamplona, "con un cartel con my nombre" . E isto aconteceu realmente.

Juan me levou até SJPP, no dia seguinte a minha chegada. Não é um taxista comum. É um apaixonado pelo caminho e pelos peregrinos. Sabe tudo do Caminho, mesmo sem ter colocado o pé na trilha, propriamente dita.

Juan, durante aquele curvilíneo trajeto de Pamplona a SJPP, no qual paramos três vezes para que eu respirasse e não botasse os bofes para fora, falou e falou animadamente de todos "los lugares emblemáticos del camiño", tudo regado a uma paixão e comoção que eu nunca tinha presenciado em qualquer relato peregrino.

Em SJPP, ele me acompanhou até a oficina do peregrino, fez a minha primeira foto do caminho, e se despediu, não sem antes entregar-me um cartão com seu número de celular - 689800152 - e email - icaro111@ozu.es - recomendando que, caso acontecesse algum imprevisto, eu o chamasse que daria um jeito de me ajudar.

Guardei aquele cartão, sem pensar que precisaria realmente usar novamente os serviços de Juan.

Fotos: o próprio Juan, sentado, à esquerda, com óculos dependurados, a que Juan fez de mim na porta de SJPP - França, e uma imagem de antiga peregrina nas ruas de SJPP (os tempos mudaram, né?)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A VOLTA - CHEGADA AO HOTEL E OUTRAS PROVIDÊNCIAS






De volta à Pamplona, resolvi ficar em um hotel que havia pesquisado na internet, antes de sair do Brasil - Hotel Eslava - onde sabia que alguns peregrinos haviam se hospedado naquela fase de chegada a Pamplona, antes de iniciar o Caminho. É um hotel simples, de bom preço e, para os padrões eurupeus, eu diria que é "um achado", visto que tudo na Europa é muito bem cobrado, principalmente se tiver um certo conforto a mais.

Ivan, o taxista de Puente de la Reina, me deixou lá, por volta das 09 da manhã, do dia 08.09. Eu tinha que encontrar uma lan, ou "un locutório", pois a seguradora me cobrava envio do laudo médico para realizar os trâmites de minha passagem de volta. No Brasil era apenas 04 da madrugada, onde eu tinha, ainda, umas cinco horas para me virar, e conseguir me colocar dentro da tal lan.

Junto à portaria do hotel, Ivan já foi colocando aos funcionários e proprietária o que havia me acontecido, onde passei a ser chamada de "Peregrina Rota", ou seja, "peregrina quebrada".

Subi ao quarto, sendo minha mochila levada pelo atendente. Dentro do quarto, me vi só com as minhas limitações. Estrabuchei todas as coisas da mochila sobre a cama, e sobre o toucador do banheiro. Mas faltava abrir os potes, tirar as roupas para tomar banho, tomar o banho, etc... e vi que não estava conseguindo. Minha mão engessada, os dedos que ficavam para fora, os quais eu precisava manter para cima e movimentando, se mostravam inchados e roxos.

Alí começou o meu caminho de volta. Saí para o corredor e fui atrás de uma camareira, até encontrar Isabel, minha xará, que pacientemente me ajudou na simples coisa de tirar roupas, tomar banho, e colocar outras roupas. Isabel também se responsabilizou pelas roupas sujas, já que percebeu que eu trazia pouquíssimas. Afinal, eu era peregrina, peregrina quebrada, mas peregrina.

Saí pelas ruas à procura de um locutório, uma lan, onde pudesse escanear meus documentos. Passo no quiosco existente na esquina, e pergunto ao senhor que lá trabalha, o qual me atende tão alegremente, que não exito: conto a ele minha história, e peço para que me amarrar os tênis, coisa que havia esquecido de pedir a Isabel. Gabriel, era o nome dele, prontamente se apresentou, e foi super simpático, colocando-se a meu dispor para o que fosse preciso.

Percebi que, na Espanha, serviços do tipo locutório são quase que invariavelmente oferecidos por pessoas não espanholas - peruanos, nigerianos, porto riquenhos, etc. - e que são uma mistura de tudo: locutório, mini mercado, salões de beleza para cabelos afros, assim como até a casa das criaturas que se dizem proprietárias... E assim que, naquele dia, fui parar no locutório de um nigeriano, que tirei da cama, usando meu telefone celular, já que, pelo menos, ele colocava o dele na porta.

Deu tempo para eu fazer amizade com o nigeriano, com a mãe dele, e com o filhinho dele, assim como com um outro amigo, que chegou depois, trazendo também o filhinho. Seguindo o padrão espanhol de trabalho, o coitado fazia tudo, e atendia a todos que chegavam e ao telefone sozinho, assim como tentava escanear meus documentos... Por estes motivos, fiquei por dentro de todas as mazelas da família nigeriana... já que permaneci com eles umas duas horas daquele dia.

Hoje, me arrependo de não ter feito fotos dessas pessoas todas. Naquele dia, minha cabeça estava triste....

Fotos: dos arredores do Hotel Eslava e detalhes de Pamplona.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

PAMPLONA - HOSPITAL DE NAVARRA




De Eunate, partimos para Puente de la Reina. Chegamos por volta das 14 hs. Meus companheiros brasileiros ficaram no albergue dos Padres Reparadores, onde eu também gostaria de ter ficado, mas só que minha mochila seguira com o empregado do albergue Santiago Apostol, que ficava no outro lado, depois da ponte antiga. Assim, segui só até lá, sendo que, minutos depois, me deparei novamente com o polonês com quem havia conversado durante a etapa, e ele me acompanhou até o albergue. Lá, um dos atendentes me informou que em Puente de la Reina não havia serviço de rx, coisa que, no meu caso, seria fundamental. Então, usando meu celular habilitado na Espanha, chamei um táxi, e com este táxi fui até Pamplona.

É difícil para mim reviver aquela sequência de fatos. No Hospital de Navarra, fui muito bem atendida, utilizando meu seguro de saúde. Levei 15 minutos para ouvir do médico que o Caminho de Santiago havia terminado para mim. "Usted tiene que volver a su país". Todas as minhas colocações de continuar a caminhar foram rejeitadas por ele. Argumentei que seguiria sem mochila, a despacharia com serviço de transporte, que faria os controles necessários na medida em que fosse chegando junto aos grandes centros - Burgos, León - mas ele era irredutível.

Enquanto esta conversa acontecia, logicamente eu estava sendo puxada, ou seja, o médico estava ttrabalhando no que eles chamam de redução - colocar o osso no lugar. Eu chorava copiosamente, mas não me lembro de dor no braço, porém lembro da frustração que sentia, na culpa de ter caído, de não ter tomado mais cuidado, de ter até chamado a queda, já que pensei que poderia escorregar e cair... Foram momentos duros para mim. No fundo, eu ainda nutria a esperança de fazer tudo ao contrário, de dar uma de heroína, e continuar caminhando.
Aquele médico, entretanto, parecia ler meus pensamentos. Quando levantei da cama onde estava para ir a outro rx, vi que ele me maneara dentro de um gesso de uns três quilos... e vi que sequer conseguiria dar uns 10 passos, sem sentir cansaço.

Saí pelos corredores amparada por enfermeiros e atendentes que choravam comigo. Liguei para casa. Foi a hora mais difícil. Ouvir eu mesma dizendo - tenho que voltar...

Voltei para o albergue em Puente de la Reina, e resolvi dormir lá. O taxista, Ivan, me aconselhou isto, já que, naquela noite, eu precisaria de cuidados, e tinha que tratar com minha família os detalhes de minha volta.

No albergue, veio me socorrer uma moça, Jane, americana e médica ortopedista... Ali percebi que Deus não estava de cara virada comigo. Esta moça me banhou, preparou minha janta, e me colocou para dormir ao seu lado. Olhou meus exames, e foi unânime na teoria do médico espanhol - ou seja - no way. "You need to come back your home".

Ivan ficou acertado para me levar de volta a Pamplona no dia seguinte. Meus companheiros brasileiros foram me ver à noitinha. foram eles que me ajudaram a ligar para a seguradora, e comunicar o que havia acontecido. Todos estes detalhes eram coisas que eu não conseguiria fazer só. Descobri que eu não conseguia abrir sozinha minha mochila, que não conseguia tirar minhas roupas sozinha, que não conseguia amarrar meus tênis sozinha, e que não conseguia comer sem ajuda de pessoas que cortassem as coisas para mim.

Despedir-me de Joel, de Jaqueline e de Cláudio foi uma das coisas mais emocionantes. Foi um abraço em sete braços, já que um dos meus não pode comparecer... Dormi super mal naquela noite.

Fotos: as três únicas que consegui fazer de Puente de la Reina




domingo, 12 de setembro de 2010

EUNATE







Desde que comecei a planejar o caminho de santiago, tive minha atenção chamada para a pequena igreja de Eunate.

Esta igreja se localiza a uns 2 km de Óbanos, quase na chegada a Puente de la Reina.

Diz a história que foi contruída no século XI, e que sua trajetória tem tudo a ver com os cavaleiros templários. eu poderia até descrever tudo o que sei sobre a história deste lugar, mas peço aos que me leem que, devido as minhas condições físicas atuais, escrever é complicado. Quem se interessar poderá procurar facilmente no google que terá milhares de informações.

Após ter tomado o tal comprimido de cataflan, e com uma tipóia improvisada por Joel - aba do meu boné como apoio ao braço e uma fralda como tipóia - seguimos em frente, tendo minha mochila ficado aos cuidados do panfleteiro do albergue santiago apostol, de puente de la reina.

Encontrei com um rapaz, um polonês, gente finíssima, com quem caminhei e conversei por uma meia hora. Jaqueline havia trazido pão e salame, e prepaou um bocadillo, dividindo-o comigo e com Cláudio. Para mim, aquele gesto valeu todo o caminho. Aquele momento - quatro brasileiros perdidos no caminho de santiago, sentados em um banquinho, comendo um sanduiche feito com carinho, por uma amiga, nosso silencio, nossos sentimentos unidos naquele simples gesto de comer - era de uma perfeiçao indescritível e tenho que agradecer àqueles tres companheiros por ter estado ali e daquela forma.
O atalho para Eunate chegara, e lá nos fomos ladeira abaixo. Quando descíamos, de longe avistei a igreja, no meio do nada. Todos foram unânimes - era linda!!!!!

O trajeto é por entre plantações de uva, das quais não nos furtamos em provar. Colhemos maçãs, e caminhamos de uma forma muito prazeirosa. Dentro de mim, a certeza de que era meu último dia de caminho...

Vinte minutos de caminhada, e chegáramos. Não encontro palavras para descrever a emoção, pois 80% de minha intenção de ir ao caminho tinha a ver com esta visita. Eu sabia que o local era cheio de energias, mas não imaginava que fosse tanta... Dentro da pequena capela, e não tão menos linda, havia mais três pessoas. Sentamos, ajoelhamos, e ali ficamos, ouvindo uma música sacra maravilhosa, rezando, e chorando.

Agradeço a DEUS e aos três companheiros de caminho - Joel, Jaqueline e Cláudio, pela graça de ter conseguido ainda chegar a este lugar.



CIZUR MENOR A PUENTE DE LA REINA




(estes relatos serao feitos apenas com minha mao direita. tenho a mao esquerda e o braço esquerdo engessados, totalmente imoblizados, e torna-se mais difícil observar certas regras de portugues, como letras maiúsculas, acentos, etc. é necessário um pouco de tradução para a compreensão do texto.




Deixei o albergue da maribel por volta das 07 horas. era noite ainda na espanha. havia arrumado minha mochila de forma que ela nao me incomodasse, ou seja, coloquei as coisas mais pesadas para baixo, e ficou legal. meus companheiros brasileiros, joel, jaqueline e claudio, os tres paulistas que haviam dormido no albergue dos padres sanjuanistas, nao tinham aparecido no caminho ainda, e eu toquei em frente. por volta de 08 horas, parei para fazer uma foto e descansar as costas, quando eles me alcançaram, e seguimos próximos uns dos outros. gosto de caminhar assim: ora com um, ora com outro. e gosto de seguir sozinha também. joel e jaqueline ficaram para trás e eu e cláudio disparamos um pouco. quse no alto do perdão, faltando uns 300 metros, havia uma escadinha, uns 10 degraus, de madeira, e chuviscava naquela hora. vi que, ao lado da escada, havia uma rampa para os bicigrinos, e achei muito íngreme e escorregadia para ir por ela. olhei para a tal escada e nao gostei - molhada e cheia de lama - mas fiz opção por ela, pensando em pisar com cuidado. não sei dizer o que aconteceu, mas logo que coloquei meu primeiro pé já saí rolando. desci a escada toda de bunda. quando parei, notei que meu braço esquerdo tinha uma dor insuportável. atrás de mim, caminhava um guri italiano, todo estropiado, com o joelho no prejuízo. gritei para o cláudio que seguia uns 100 metros a frente e não vira a minha queda. pela dor, eu sabia que as coisas eram sérias. claudio falava duro comigo, porque viu que eu estava a prestes de desmaiar - amarela e de boca roxa, segundo ele - e mandava que eu levantasse, e continuasse, até encontrarmos um lugar melhor para ver o que havia acontecido. foram minutos que eu nao sei, na verdade, como agi, como fiz, e o que aconteceu. era só dor. num local melhor, claudio me sentou no chão, tirou minha mochila, e começamos a procurar por algo que controlasse a minha dor. eu tinha comprimidos para dores, dicoflenaco potássico, e até em gel, e fizemos uma massagem leve com o gel, e eu engoli um comprimido. enrolei o braço em uma toalha pequena, que levo sempre comigo, para enxugar o rosto, etc.


Mochila nas costas, e dor, muita dor, segui em frente, até o alto do perdão. ali senti que as forças iriam sumir de novo, e tratei de pegar chocolate e gatorade, e dei uma turbinada em mim mesma, e senti que as forças retornavam. olhei o braço, e este, na altura do pulso, criara diversas bolsas de inchume. estava torto e disforme. totalmente quebrado.


Um rapaz se encontrava lá, distribuindo panfletos de um albergue privado, em puente de la reina. ele se acercou de nós, e ofereceu-se para levar minha mochila, para que eu pudesse caminhar mais tranquila. a dor começava a ceder, e resolvi seguir em frente. eu iria olhar meu braço, mas só quando terminasse aquela etapa. e tinha eunate naquela etapa. e eu queria muito chegar até aquela igreja perdida no meio do nada...
fotos: antes da queda e depois, já com o braço quebrado

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

DE RONCESVALLES A CIZUR MENOR









Saí de Roncesvalles, ontem, por volta das 07. Continuando a caminhar por lugares de sonho, de localidades que parecem ser fora da realidade.

Minha primeira direçao era para chegar em Zubiri, mas lá percebei que estava bem e que conseguiria caminhar mais, pois era muito cedo. O ruim de chegar cedo é ficar sem ter muito o que fazer. Estou caminhando com pessoas de linguas diferentes, e sem condiçoes de eu ficar tentando falar francês, que é o que mais tem por aqui - franceses.

Cheguei a Larrasona por volta de 15 horas. Encontrei 03 brasileiros, e passamos a ficar juntos. Hoje, caminhamos juntos até Cizur Menor. Cizur Menor é depois de Pamplona. O tempo está quente, muito por demais, e cheguei cansadíssima. Estou no albergue da Maribel Roncal.


Continuo com as mesmas impressoes que tinha do Caminho. Sempre pensei que eu deveria vir até aqui. Envio fotos. E peço que nao esqueçam que escrevo sem acentos, pois os acentos estao em diferentes localizaçoes de nossos teclados aí. Depois, pretendo corrigir as palavras erradas.


Abraços a todos.

sábado, 4 de setembro de 2010

FOTOS DOS PIRINEUS





























EU VENCI OS PIRINEUS

Dia 03.09 e 04.09 - De Saint Jean a Roncesvalles.

O taxista Juan me levou de Pamplona, ate San Juan Pied de Port (França), onde cheguei por volta das 11 horas de ontem - 03.09.2010.
Cheguei e pensei que estava em um paìs encantado. A coisa mais linda!!!! Voces precisam ver um dia. Vale a pena!!!
Apos algumas fotos e de carimbar minha credencial, fui para o centrinho, entrei na Oficina de Turismo, e dei de cara com um brasileiro, Ricardo, de Fortaleza.
Dali para frente, almoçamos juntos, e começamos a subir para Orisson, onde irìamos dormir. Foram 08 quilometros "hard way" - subidas e mais subidas, embaixo de um sol das 13:30. Mas chegamos bem, e o refúgio era tudo de bom.
O jantar é ao estilo de jantar de peregrinos. Todos se apresentaram, em suas linguas, e devo dizer que o caminho agora e dos franceses e dos alemaes.
Foi um jantar bastante diferente e emocionante. Ricardo dormiu no mesmo quarto que eu e mais quatro francesas. Estou conseguindo me comunicar com todos em ingles e em espanhol.
Ontem, apòs o jantar, deitada na minha cama (de cima do beliche), olhava pela janela e via o ceu dos Pirineus, na França. Pensei que tudo aquilo era um sonho, pois eu nem imaginava que iria viver tanta emoçao: um ceu estrelado, nos Pirineus franceses e eu fazendo o tao sonhando "Caminho de Santiago".
Hoje, pela manha, 07:45, saimos novamente para terminar a subida dos Pirineus. Faltavam ainda 20 km.
Achei a caminhada de hoje um passeio, na verdade. Fotos e mais fotos de tirar o fôlego, cheio de amigos peregrinos que dormiram em Orisson, e eu super bem de tudo, de pernas, de tronco, e de cabeça.
Agradeço a meus professores: Alemao da Academia, e Santana da Yoga, por terem me preparado tao bem para esta aventura. E aos amigos e namorado que me acompanharam nas caminhadas preparatorias, todas tao importantes.
Cheguei a Roncesvalles por volta de 12:30. Fui a primeira da turma de Orisson. Acho que fui a primeira peregrina de hoje, pois a Oficina abriu quando eu cheguei.
Tranquila. Reservei minha senha para o albergue, ja reservei meu menu do peregrino para a noite, e ja almocei. Escrevo agora no blog.
As emoçoes sao muitas. À noite, a coisa pega: saudade, parece que estou num mundo diferente, e nao gosto de pensar em minha casa, em meus filhos e em meu namorado. A saudade aperta de tudo e de todos. Procuro nao pensar.
Caminho amanha até Lasaroana.
Fotos? Quando eu pegar uma internet tranquila. Aqui, e dentro de um bar.
Beijos a todos.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

PAMPLONA

Depois de dois avioes, tres metros e um trem, cheguei a Pamplona.
Juan, o amigo do Hector, taxista, me esperava na estaçao, com um "cartel con mi nombre".
Muito gentil e simpático, foi me levando para o hotel, e foi apresentando a cidade.
Eu, zonza, por tanto tomar dramim para aguentar esta maratona no ar e sobre rodas de ferro, quase nao via nada, mas sai para caminhar um pouco e estou adorando.
Consegui trazer minha mochila sempre comigo, na base de potes com menos de 50 ml e sem objetos de metal e pontiagudos... e 07 quilos. E na aduana, em Madrid, fui entrevistada pela atendente que me perguntou somente o que eu estava fazendo na Espanham sendo que, quando respondi, ela se mostrou uma apaixonada pelo Caminho de Santiago.
Comi meu primeiro menu do peregrino, sem muita fome, mas valeu. Aliàs, aqui tudo "vale". E a maneira deles de dizer "certo".
Nao estou mais colocando sinais e acentos nas palavras. Sempre saem errado.
Fico sem dar notíciais ate sabado a noite.