segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A DOIS DIAS DO EMBARQUE

Parto na quarta. Pela manhã, pego o vôo para Guarulhos às 09:35 hs, aqui, em Floripa. Depois, às 15:50 hs, em Guarulhos, o vôo para Madrid. De Madrid, vou a Pamplona “by tren” (depois de passar pelo constrangimento que é Barajas...). Se conseguir pegar o trem das 10:35 em Atocha (estação de trens de Madrid), devo chegar em Pamplona por volta das 13:30. Lá, Juan, amigo do Hector, aquele taxista uruguaio, afirma que estará me esperando com “um cartel con tu nombre”, junto à estação de Pamplona, para me levar a um hotel. Durmo em Pamplona. Vou me dar a este luxo, ficar por lá por uma tarde, e conhecer a capital da província de Navarra. No dia 03, pela manhã, vou de táxi “hasta SJPP”, de onde começo a subido dos Pirineus, para dormir no Refúgio Orisson, e, no dia 04.09, seguir subindo os Pirineus, para chegar a Roncesvalles.
Não sei se vou conseguir postar mais alguma coisa aqui antes de minha chegada a Pamplona. Lá, devo conseguir escrever alguma coisa, à noite, no hotel.
Os primeiro dias, acredito, devam ser aqueles que mais ansiedade provocam nos peregrinos. A chegada a qualquer lugar estranho é difícil, quanto mais em um país estranho. Mas ser peregrino é uma condição. É como ser homem ou mulher. É como ser branco ou negro. A gente não escolhe. A gente é escolhida.
Aos poucos, conforme se vai vivendo, se vai descobrindo que somos peregrinos, que não conseguimos mudar, que existe uma força que nos empurra para a estrada, e que a melhor maneira de fazê-la é a pé.
A viagem é demorada. Caminhar 30 km por dia é caminhar o dia todo, é levantar e... pé na estrada, porque se não a distância não será superada. Mas o bom é que se vê o sol nascer... Superar distâncias a pé não requer mais nada do que se ter os pés, e as pernas, e uma baita vontade de usá-las para o que foram feitas: andar. Andar por tudo, andar pelo mundo, ver o mundo, sentir o vento, o sol, a chuva, ver as coisas, olhar as pessoas, as flores, o mato, e toda a natureza que nos rodeia. De nosso? Só uma mochila nas costas.
Andar nos faz perder os medos: o medo da chuva, o medo do sol, o medo do desconhecido, o medo do calor, o medo do frio, o medo de se perder (porque se isto acontecer é só se encontrar de novo), e nos faz descobrir que caminhar é como viver. A vida nada mais é do que um caminho. Assim, um dia, eu resolvi que iria fazer o Caminho de Santiago. Depois de caminhar a pé por toda a minha região, depois de subir morros, de andar no meio da mata, de quebrar dois dedos da mão caindo nos caminhos... e tudo o mais que 16 anos de caminhada poderiam acrescentar a minha vida. Eu estava quase pronta para o Caminho de Santiago.
Para isto, eu planejei, estudei, pesquisei, li, e me informei durante dois anos e meio. Agora, no final, descobri que só faltava eu ir mesmo. E todo este tempo de planos não deixou de ser um caminho, onde não só aprendi, mas conheci pessoas, aprendi que o que eu aprendi não era só para mim, e comecei a dividir com outros peregrinos que foram caminhar na Espanha até antes de mim (aeeee pessoal das comunidades do Orkut, e amigos do Grupo Santiago!!!!). Mas é assim que tem que ser: cada um tem seu próprio caminho, tem sua hora até de ir ao caminho.
Dia 01.09.2010, saio do Brasil rumo a esta aventura que espero seja maravilhosa e mágica como eu estudei durante estes últimos dois anos. Serão outra escola, outros aprendizados, com certeza. Uma busca por desapego quase que total. Viver 40 dias com três mudas de roupa, com a escova e pasta de dentes, o desodorante, um par de sandálias, um protetor solar, e uma toalha de banho bem minguadinha. Sem cremes rejuvenescedores, sem muitos cuidados com outras partes do corpo, a não ser com os pés, e com o que estiver doendo muito... Dormir em albergues comunitários, comer o menu do peregrino (que parece ser muito bom...).
Saio deixando aqui pessoas que amo, e que vão fazer muita falta: meus filhos, meu neto (este aperto vai doer mais), e meu namorado/amigo. Serão 55 dias longe de casa, e longe de meu país. E espero superar tudo, e aprender mais ainda a viver, e ser, e agir como gente.
Levo, e deixo para meus filhos, namorado, e amigos as palavras de Frederick Buechner: “Você pode dizer adeus a sua família e amigos, e afastar-se milhas e milhas e, ao mesmo tempo, carregá-los em seu coração, em sua mente, em seu estômago. Pois você não apenas vive no mundo, mas o mundo vive em você”.
Beijos e até a volta!!!!!

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

FALTAM 06 DIAS





Faltam seis dias para eu viajar para a Espanha. Dia 03.09.2010, devo começar minha caminhada, subindo até Orisson, dormindo ali, e continuando no dia seguinte até Roncesvalles. Terei a oportunidade de caminhar nos montes Pirineus.

Penso sobre isto. Penso no que irei ver durante estes oitocentos e tantos quilômetros de trajetória a pé até Santiago de Compostela.
Quando viajei até o Peru, para conhecer de perto Machu Pichu, lembro que chorei quando entrei na catedral de Cuzco, com seus altares todos em ouro e/ou prata. Ali estavam as riquezas dos Incas.

Hoje, vi, na comunidade do Orkut - Peregrinando com Ana e Regina - duas peregrinas que fazem o caminho atualmente, o relato de Ana, sobre as igrejas católicas ao longo do trajeto. Dizia Ana que estava indignada com a quantidade de ouro existente dentro das igrejas que tem visitado. Compara a riqueza inútil de um altar em ouro, com a pobreza e miséria de alguns países.

Tudo é verdade. Ninguém desconhece a exploração que as duas Américas - do Sul e Central - foram vítimas por parte dos reis católicos da Espanha, e acredito que o ouro que a Ana vê por lá deva ser, sim, boa parte do ouro dos Incas e dos Astecas.

Escrevi para a Ana, e pedi a ela que deixasse de lado estas comparações. Ana está cansada, um pouco estropiada pelo andar a 20 dias, e pedi a ela que pensasse no trabalho em construir uma catedral. Pensasse nas mãos que ajudaram-se a fazer uma catedral, nas pessoas que ajudaram a realizar uma obra assinada por Gaudí. Pessoas simples, com certeza, daquele tipo que Jesus e que Tiago tinham sempre ao seu lado. Como estas pessoas somos nós, a maioria dos peregrinos que tem andado pelo Caminho ao longo destes longínquos tempos.

Ando pelo mundo. Por prazer, por treinamento. Ando a pé. E o que me encantaria, ainda, é ir até Eunate, lá em Óbanos, próximo a Puente de la Reina, aquela igrejinha no meio do nada, uma capela na verdade, e lá poder me ajoelhar e rezar. Nada parece ter mais energia dentro do Caminho do que a simplicidade de Eunate.

Enquanto não chego lá, ando treinando, treinando e treinando. Domingo passado, caminhei 10 km até Gravatal, aqui, ao lado de Tubarão. No meio rural. No meio das coisas simples. Como aquelas que pretendo ter a sensibilidade de perceber ao longo do Caminho.

Fotos da Caminhada a Gravatal, em 22.08.2010.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

SERRA DO CORVO BRANCO










Para quem não conhece Tubarão/SC, devo apresentar minha cidade. Acho, mesmo, que vivo num lugar estratégico. Perto de Tudo o que gosto - serra e mar. Vivo no litoral, a 30 km de uma praia, de uma ótima praia uma das mais lindas que conheço - Praia do Farol de Santa Marta, assim como vivo perto das praias de Jaguaruna, Laguna, Itapirubá (minha praia do coração), e outras menos conhecidas, mas não menos belas. Porém, se eu deixar o litoral, em sentido oeste, logo logo vou encontrar um paredão de serra, parte da serra do mar, conhecidas como Serra do Rio do Rastro, postada abaixo, pois meus pezinhos já andaram por ela toda, e a Serra do Corvo Branco.

A Serra do Corvo Branco é ainda um local para onde se tem acesso por uma estrada de chão. Acho que é por isso que tem lá seus encantos maiores que a do Rio do Rastro. Outra coisa que me apaixona no Corvo Branco é a forma dos morros. Enigmáticos, como imponentes. Maravilhosos.

Subir o morro do Corvo Branco anualmente tem sido uma prática minha há uns seis anos. E cada vez é mais profunda a minha ligação. Talvez porque, para mim, os anos passam, e a cada vez o morro me vê mais velha, mas não menos briguenta e marrenta. E gosto de ir lá, e desafiá-lo.

Domingo, dia 5.08.2010, por volta das 08:30, na localidade de Aiurê, município de Grãos Pará, estava eu. De mochila nas costas, com seis quilos de tralhas, e comecei a caminhada rumo ao morro que me desafia todo o ano. Por volta de 11:30, eu estava ao pé dele, pronta para enfrentá-lo, numa temperatura de 0 °, sem choradinha - ou caminha ou congela - e lá fui eu. Morro acima, pára, respira, olha em volta, olha para trás, e vê o mundo ficando pequeno. A gente???? A gente se sente grande. Como o morro. Poderosos, cheios da gente mesmo, porque este poder de vencer as distâncias e os obstáculos dos caminhos está dentro de nós mesmos, é nosso, só nosso, tanto que ninguém entende... Fotos dos momentos da subida:
1 - Aiurê
2 - O morro visto de longe
3 - Eu, já na parte alta
4 - Eu, de novo, admirada com meu velho amigo desafiador.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

PEDRAS GRANDES















Num domingo, pelas seis da matina, o sol nem tinha saído ainda, e eu me mandei para Pedras Grandes a pé. Pedras Grandes é uma pequena cidade, há 26 km e meio do portão da minha casa. Conheço a cidade quase toda, pois um dia meu trabalho me levava para aquele pequeno rincão, assim como conheço a estrada que vai para lá.
Passei grande parte do caminho em área meio urbana, meio rural, dos bairros conhecidos como km 60, km 63 e Guarda, daqui, de Tubarão, onde moro.

Por voltadas 08 horas, eu já havia percorrido 12 km, e entrava no complexo termal conhecido como Águas Termais da Guarda, local onde existem uns dois ou três hotéis, e foi ali que dei uma boa parada para um cafezaço.
Depois, foi a vez da mochila entrar na caminhada. Com ela nas costas, caminhei até Pedras Grandes, agora caminho rural mesmo, só campos, vacas, cabritos, e o carro de meu namorado, ora na frente, ora atrás de mim, fazendo o apoio.

Antes, passei pela comunidade de Alto Pedrinhas, a qual sorria, brilhando ao sol, antes de minha chegada.

Meio dia e meio, sol a pino, eu já meio zonza, cheguei finalmente na pracinha da cidade.

Foi um bom treino. Caminhei legal, sozinha e Deus por um mundão de verde, colocando as idéias em dia, e percebendo tudo o que deu certo ao longo desta preparação, e o que poderia ainda ser melhorado.

PREPARAÇÃO PARA O CAMINHO (já perdi a conta)







Nos últimos tempos, minhas preparaçõess tem sido específicas para o Caminho e, como tal, nem posso querer obrigar meus amigos a me seguirem pelo mundo a fora, na tentativa de saber como eu ando quando caminho com uma mochila nas costas. Caminho com a companhia de meu namorado, que tem me auxiliado na triste tarefa de ser apoio para as minhas loucuras...



Caminhei sozinha, em trechos curtos, como foi no Morro São Miguel, em Gravatal/SC, em uma tarde de sábado, onde tirei algumas fotos do mundo. De mim mesma não deu para saber, porque não tinha ninguém para fazer o registro. Meu namorado, naquela época, estava na Espanha, fazendo o Caminho...



Depois, subi a Serra do Rio do Rastro, junto com o grupo SOU, e aí foi beleza pura: 10 km de subida de uma das serras mais bonitas do mundo. Terminei em 03 horas. Mas foi sem mochila nas costas, a não ser aquela básica, do lanchinho, da água, etc.



Os treinamentos são maneiras que me proporcionam ver a quantas ando. Acho-os imprecindíveis. Como aprendi há tempos que para fazer qualquer tipo de atividade física precisamos conhecer profundamente o nosso corpo, os treinamentos são parte desta oportunidade. Nada adiantaria eu ficar dentro da academia dias e dias, ir para as aulas de yoga e fazê-las na totalidade de posturas, se não ficasse interessada em ver o resultado destes exercícios sobre os meus músculos, se não soubesse como reage minha respiração numa lomba forte, e nem como bate meu coração nestas paradas. E, no caso de um peregrino do Caminho de Santiago, como ficam minhas pernas e minhas costas.



Leio muito sobre o Caminho, os relatos de peregrinos, e convivo até com alguns. Todos são unânimes em me dizer que os pés, as pernas e as costas são imprecindíveis.



Bem, tenho conseguido me sair bem em todas as experiências de treinos, e aconselho a quem estiver interessado: 45 dias antes de iniciar sua caminhada, comece a treinar dentro de sua cidade. Comece com uns 10 km e vá aumentando. Depois, em um final de semana, para uma zona rural, um lugar afastado, coloque sua mochila nas costas com o peso com que você deseja levá-la, e treine com ela. Só assim não terá muitas surpresas quando estiver na Espanha. Você terá total conhecimento de suas dores, de seus pontos fracos, etc., e terá tempo para tentar acomodá-los dentro de suas expectativas.






quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A 19 DIAS


Estou, hoje, a 19 dias de ir para a Espanha. Tantas coisas na cabeça. Muita emoção.

Ainda, tenho que dar conta daquelas coisas de sempre: trabalho, casa, cuidar do neto de vez em quando, prosseguir com os treinos, e corrigir o TCC de uma amiga que me apareceu de última hora... E ainda cumprir com aquele ritual de olhar e-mails, respondê-los, e ir até as comunidades para ver o que saiu de novo por lá, como anda o Caminho ao vivo e a cores, e não só na minha imaginação por enquanto.

Aqui, não consigo mais escrever coisa que valha a pena, pois NÃO TENHO TEMPO para coordenar as idéias.

Minha vida anda boa, apesar de toda a correria, de alguns problemas de saúde que surgiram, e já foram embora. Leio dois livros ao mesmo tempo para não perder o costume. E achei este poema de Cecília Meirelles:


Não queiras ser.

Não ambiciones.

Não marques limites ao teu caminho.

A Eternidade é muito longa.

E dentro dela tu te moves, eterno.

Sê o que vem e o que vai.

Sem forma. Sem termo.

Como uma grande luz difusa.

Filha de nenhum sol.

Cecília Meireles in Cântico XV


Estas palavras me fizeram pensar sobre a liberdade.